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Falar de signos é falar dos sinais que estruturam o pensamento e servem de veículo às ideias. Falar de sonhos é apresentar os signos que traduzem os nossos desejos.

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Frases de Chico Viana

Mais anos, menos ilusões

Hoje completo 72 anos (mas não quero que saiam espalhando isso por aí). Tecnicamente sou um idoso, eufemismo que inventaram para “velho”. Tudo bem, “velho” pode ser mesmo pior, a não ser que o indivíduo pretenda no Natal se vestir de Papai Noel. Se for esse o caso ele terá uma justificativa para ostentar, como um bom velhinho, a cabeleira branca e aquela bonomia própria dos que querem estar em paz com o mundo. Ninguém vai reparar. 

A vida é uma ordem, como diz Drummond, e cumpre-nos aceitá-la com resignação e o propósito de fazer o bem. Tento isso o tempo todo, mas os outros não ajudam. A bondade é uma conquista difícil porque nem sempre encontra eco, nem reciprocidade, no ânimo das outras pessoas.

O bom de chegar à idade que hoje completo é ter perdido as ilusões. Iludir-se falseia a ideia de felicidade e nos coloca cada vez mais longe dela. Não tenho as certezas metafísicas que a muitos consolam. Tampouco me seduzem as vaidades mundanas. Quanto a esse ponto, devo dizer que há algum tempo resolvi aceitar a sugestão de amigos e entrar para a academia. Não a de Letras, mas uma academia de ginástica. Se não me torna “imortal” (eu não morro pela “imortalidade”), ela certamente vai me propiciar mais alguns anos de vida.  

Acho, a propósito, que a não aceitação da morte é uma das maiores fraquezas humanas. Ela faz com que muitos nos iludam com a promessa de vida eterna (uma contradição em termos) e acaba separando as pessoas. Infelizmente, por interesses que a História é farta em mostrar, não fomos educados para a aceitação do nosso efêmero destino. Procuro aceitar o meu e espero que o desfecho esteja longe. Só não quero que se alongue demais a ponto de, para os que me circundam, eu passar de esteio a estorvo.  

Enfim, cada um se consola como pode, e disso faz parte escolher o suporte da sua crença – que, por ser crença, não é necessariamente a verdade. O importante é que se respeite a crença dos outros.

O melhor num momento como este é poder exaltar a família (o bem maior) sem que outros vejam nisso hipocrisia ou estratégia para arrebanhar votos; agradecer aos amigos a companhia, mesmo virtual, e o estímulo para continuar escrevendo; dirigir-se aos alunos com a humildade de quem reconhece neles os verdadeiros mestres, pois a gente ensina para aprender. Geralmente se pede a quem tem “experiência” um conselho para viver melhor. Eis o meu: é preciso não perder a capacidade de rir. Não que a vida seja uma piada – se for, será de mau gosto. É que o humor demonstra uma compreensão profunda da nossa condição e nos ajuda aceitá-la. Quem sabe rir não se queixa, não maldiz a si nem aos outros, não se insurge contra alguma potestade que porventura nos tenha criado. Estamos aqui por conta própria, e cabe-nos enfrentar isso da melhor maneira possível.

O circo da vida

Qual a melhor imagem para a vida? Alguns costumam compará-la a uma viagem, ou melhor, a uma travessia no deserto com início, meio e fim. Essa imagem é boa, mas muito resumida… Outros, em vez do deserto, preferem o oceano; dizem que estamos todos “no mesmo barco”.

O barco pode ser comum, mas se esquecem de dizer que nem todos viajam da mesma forma. Enquanto uns se banqueteiam no convés, outros suam nos porões… É verdade que o barco corre o risco de naufragar e, se isso ocorrer, todos morrerão – mas, enquanto não ocorre, uns gozam e outros trabalham. E trabalham justamente para os outros gozarem, por isso às vezes desejam secretamente que o barco afunde.

Há uma imagem mais completa para representar a existência – a do circo. A vida é um picadeiro no qual cada um é levado a representar o seu papel. Esse papel ninguém escolhe, pois é dado desde que se nasce, e o maior desafio é não entrar em conflito com ele. Rejeitar o próprio papel significa brigar consigo mesmo, não se aceitar.

O problema é que não temos uma essência e, por isso, nunca estamos “no ponto”; tendemos a fantasiar o que julgamos ser. Criamos um ente ilusório, correspondente ao que a psicanálise chama “ideal do ego”, que sempre está além do que somos (do contrário, não seria um ideal).

Conhecer a si mesmo (segundo Sócrates, a primeira condição para a felicidade) significa libertar-se desse ideal. Essa é uma tarefa difícil e contra a qual devemos lutar muito, pois “eu” nenhum é lá muito apreciável. Há quem prefira, para não se desencantar de vez com a vida, não chegar muito perto de si.

Mas voltemos à imagem do circo, que é bem mais abrangente do que a da travessia e a do barco. Primeiro, porque ela contempla a distinção social: uns assistem ao espetáculo nas arquibancadas, outros nas cadeiras, outros nos camarotes especiais, que ficam próximo ao picadeiro – e de lá podem ver bem de perto, dependendo do gosto, o tórax do atirador de facas ou as pernas das bailarinas. Segundo, porque os artistas apresentam uma variedade de performances que valem como metáforas da existência.

          Quantos de nós, para viver, não temos que engolir o fogo de certas afrontas? Ou nos equilibrar na corda bamba de um relacionamento que ameaça ruir? Às vezes devemos ser domadores de feras e, por desleixo ou excesso de confiança, correr o risco de ser devorados. Amansar as feras que nos rodeiam aborrece e consome muita energia.

O comum é ficarmos na mira dos atiradores de facas, ou de balas mesmo, que diferentemente do que ocorre nos espetáculos fazem questão de acertar o alvo. Ou enfrentar um trânsito assassino, que congestiona as estradas e nossas artérias. Ele é uma espécie de “globo da morte” do qual não se pode sair. Mas o pior é termos de bancar os palhaços neste mundo de tantas espertezas e injustiças. Palhaços tristes, que riem de si mesmos. Neste caso nos parecemos com aqueles remadores que silenciosamente suspiram pelo naufrágio – pois a alegria do palhaço, como se sabe desde sempre, é ver o circo pegar fogo.

Antenas trocadas

Não sei por que o pessoal que escreve teme a concorrência com a Inteligência Artificial. O que ela faz não é novo. Existem há muito tempo no mercado livros escritos por robôs – robôs humanos, que produzem segundo fórmulas testadas para atrair os leitores. 

De qualquer modo, para não fugir à regra, resolvi aderir à moda e providenciar um robô para uso próprio. Uma espécie de avatar cibernético que me ajudasse, quando fosse o caso (e têm sido muitos), a destravar a criatividade. Então pedi a uma dessas empresas de IA que bolasse um algoritmo adaptado às minhas necessidades (inclusive fisiológicas) e mandasse um programa capaz de me facilitar a vida. 

       Recebi-o na semana passada e desde então venho me adaptando ao seu uso. Dei-lhe nome de ChatoPQP – por analogia com o produto criado pela OpenAI. Por sinal esse produto – o ChatGPT – vem assustando uma série de intelectuais, engenheiros e empresários que temem a dimensão que ele possa adquirir no sentido de superar a inteligência humana.

O temor de que isso ocorra até os levou a redigir um documento, assinado entre outros por Elon Musk, propondo a suspensão das pesquisas em IA. Se o genioso e implacável empresário chegou a fazer isso, o assunto é mesmo sério.

Para ser honesto, devo dizer que não me impressionei muito com a criação da OpenAI. O motivo é que, para testá-la, perguntei-lhe quantos brasileiros haviam recebido o Prêmio Nobel; do ChaGPT obtive a resposta de que foram nove. Consultando depois o velho e confiável Google, soube que nenhum brasileiro ganhou o Nobel até agora. Houve quem estivesse entre os indicados, porém oficialmente ninguém abiscoitou a cobiçada láurea internacional.

Mas voltemos ao meu robô particular. A primeira experiência com ele não foi boa; sem que eu pedisse, me acordou às quatro da manhã cantando “Frère Jacques”. 

E não apenas isso. Semelhantemente ao seu colega da OpenAI, ele nem sempre responde com exatidão às minhas perguntas. Perguntei-lhe, por exemplo, qual o sentido da vida. Ele ficou, digamos, na metalinguagem. Respondeu-me que “sentido” é significado, conceito, e que “vida” é o estado em que se encontram os seres vivos enquanto não morrem. Isso não me esclareceu muita coisa.

Outra vez eu lhe disse que pensava em escrever um conto sobre uma malograda experiência amorosa da juventude, mas me faltava inspiração. Ele me aconselhou a procurar um lugar arejado e dilatar bem as narinas. Segui o conselho, supondo que a inspiração poderia vir de algum espírito do ar, e acabei contraindo uma virose. Mas terminei me conformando; talvez isso fosse uma indicação de que o conto não ia mesmo prestar. 

Estou ainda testando o ChatPQP, mas a julgar pelo que tenho vivido com ele vou acabar desistindo de tê-lo como guia. Não há como aceitar um robô que nos deixa desantenados da realidade.

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