A outra face

Tem sido muito comentado o tapa que o papa Francisco deu na mulher que tentou agarrá-lo. O gesto agressivo e raivoso do Sumo Pontífice surpreendeu os que se acostumaram com a fala mansa e a doçura estampada em seu rosto.

Como classificar aquele rompante de brutalidade? O gesto foi lamentável, claro, pois do representante maior de Cristo na Terra se espera tolerância e boa vontade com os que o importunam ou ofendem. Foi no mínimo um descompasso entre o homem e o seu papel.

Mas (e aqui se invoca um conhecido preceito cristão) “não julgueis para não serdes julgados”. Se por um momento Francisco esqueceu que era “o papa”, terá havido razões para isso. Entre elas, certamente, as pressões que vem sofrendo por parte de segmentos conservadores da Igreja.

O papa tem assumido posições corajosas, como a de denunciar e punir os pedófilos. Quer resgatar a imagem da instituição e reconquistar a confiança dos que, decepcionados com os escândalos sexuais, dela vêm se afastando.

Sou um admirador de Francisco e gostaria de não ter assistido àquela cena. Presumo que muitos católicos têm o mesmo sentimento. Vê-lo perder o controle tisnou um pouco a sua imagem. Os que agora dele se aproximarem farão isso com prevenção e algum temor. Sabe-se lá se o homem vai estar num dia ruim! O consolo é que Francisco não estará só. A grande massa dos cristãos vai entender seu gesto “humano, demasiadamente humano” e, nesse momento delicado da sua vida, rezará por ele. O comum é ocorrer o contrário, mas há circunstâncias nas quais se inverte a corrente e o papa é que precisa de orações.

Publicado por Chico Viana

Chico Viana (Francisco José Gomes Correia) é professor aposentado da UFPB e doutor em Teoria da Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em sua tese, publicada com o título de O evangelho da podridão; culpa e melancolia em Augusto dos Anjos, aborda a obra do paraibano com o apoio da psicanálise. Orientou cerca de 37 trabalhos acadêmicos, entre iniciação científica, mestrado e doutorado, e foi por dez anos pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq). Desde muito jovem começou a escrever nos jornais de João Pessoa, havendo mantido coluna semanal em A União e O Norte. Publicou cinco livros de crônicas.

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