ChicoViana se considera um escritor satisfeito?
De modo algum. Escreve-se por insatisfação e geralmente se fica insatisfeito com o que se escreve. É um círculo vicioso. No meu caso, que me divido entre a literatura e o ensino, sinto que a sala de aula (agora virtual) toma grande parte do tempo que seria dedicado à escrita. Se pudesse me dedicar totalmente à literatura, eu produziria mais e talvez melhor. Como diz Stephen Koch, a abundância de escrita leva à abundância de inspiração.
Como se inspirar para escrever crônicas?
É preciso ter olhos para as pessoas, a rua, e sobretudo para si mesmo. Mas a inspiração é um prêmio à aplicação. Quem for esperá-la não irá escrever. O que conta é o exercício contínuo, que leva a alguma ciência do uso das palavras. A literatura é um jogo de xadrez, exige paciência e muita disposição para combinar as pedras. Algumas vezes arranjo final surpreende, e nisso reside a impressão de que o autor estava “inspirado”.
Como é sua rotina de escritor?
Geralmente escrevo no fim da tarde, mas costumo tomar nota de uma ou outra ideia que me ocorra antes disso. O pensamento é erradio, caprichoso, e o inconsciente trabalha por conta própria. Isso faz com que no meio de uma lavagem de louça, na direção do carro ou mesmo numa ida ao banheiro (para fins que não vou aqui relatar), apareça uma frase interessante; ela pode ser autônoma ou constituir o embrião de um texto. Depois disso, é trabalhar.
Como enxerga o mercado para os autores independentes?
É difícil. Não sei lidar bem com o mercado e até invejo quem sabe fazer isso. Certamente vem daí o meu gosto pela internet, que bem ou mal é uma forma de canalizar a produção para os eventuais leitores.
Quais os autores que sempre quer ler?
Entre os nacionais, Machado de Assis. É indiscutivelmente nosso maior escritor. Gosto também de Aluísio de Azevedo, Graciliano Ramos e José Lins do Rego, autores fundamentais para se compreender muito da alma brasileira. Na poesia, Augusto dos Anjos, Drummond e Cecília Meireles. Entre os de outros países, li muito Sartre na adolescência (tanto a filosofia, quanto a ficção) e hoje percebo quanto essa leitura me marcou. Foi também impactante o contato com a obra de Freud, que estudei razoavelmente para trabalhar a melancolia em Augusto dos Anjos. Proust (como ocorre com todo proustiano) é uma devoção. Mas ainda não conheço todos os volumes de “Em busca do tempo perdido”. Estou a caminho. Meu gosto por fazer crônicas veio da leitura de autores como Rubem Braga, Nelson Rodrigues, Paulo Mendes Campos, José Carlos Oliveira e outros. Também li muito Millôr Fernandes, que me despertou o gosto de fazer frases. Tenho um blog (Penso, logo eis isto) só com elas.
Qual livro ou escritor recomenda? Por quê?
É difícil indicar um livro ou um escritor só. Recomendo aos
jovens “O apanhador no campo de centeio”, de J. D. Salinger, e o Diário de Anne Frank. São comoventes testemunhos de crise e resistência juvenis em cenários muito diferentes. Aos adultos, recomendo a leitura (melhor seria a releitura) da obra Machado de Assis.
Livro, filme ou televisão?
Livro. Embora aprecie muito cinema, gosto do livro – entre outras razões – por ele estar sempre ao nosso alcance. Uma “sessão” de leitura (ao contrário da cinematográfica) pode se dar a qualquer momento e em qualquer lugar. Seja onde for, ela está disponível para nós. Além disso ocorre solitariamente, sem ninguém ou nada para nos perturbar.
Redes sociais para o escritor?
Acho importantes, desde que haja moderação em seu uso. Segundo Umberto Eco, elas vieram dar voz aos imbecis, mas não é difícil perceber gente dessa estirpe e passar adiante ou mesmo deletá-la. O problema é quando não se pode ler quem vale a pena. Há muitas pessoas qualificadas escrevendo nas redes sociais, e mesmo que quiséssemos não poderíamos dar conta de tudo que elas publicam.
O que espera de 2021?
Não poderia ser diferente: que seja o ano das vacinas e da erradicação do coronavírus. Merecemos nos livrar desse estigma para voltar a viver. O pior dessa epidemia (ou, pelo menos, tão grave quanto) tem sido o “fator humano”. É triste perceber que grande parte persistência do vírus se deve à falta de solidariedade das pessoas. Mas, que fazer? O que nos conforta é ver, em clínicas e hospitais, profissionais de saúde arriscando a vida para que menos pessoas morram. Ações como essa é que nos impedem de perder a esperança no ser humano