Antenas trocadas

Não sei por que o pessoal que escreve teme a concorrência com a Inteligência Artificial. O que ela faz não é novo. Existem há muito tempo no mercado livros escritos por robôs – robôs humanos, que produzem segundo fórmulas testadas para atrair os leitores. 

De qualquer modo, para não fugir à regra, resolvi aderir à moda e providenciar um robô para uso próprio. Uma espécie de avatar cibernético que me ajudasse, quando fosse o caso (e têm sido muitos), a destravar a criatividade. Então pedi a uma dessas empresas de IA que bolasse um algoritmo adaptado às minhas necessidades (inclusive fisiológicas) e mandasse um programa capaz de me facilitar a vida. 

       Recebi-o na semana passada e desde então venho me adaptando ao seu uso. Dei-lhe nome de ChatoPQP – por analogia com o produto criado pela OpenAI. Por sinal esse produto – o ChatGPT – vem assustando uma série de intelectuais, engenheiros e empresários que temem a dimensão que ele possa adquirir no sentido de superar a inteligência humana.

O temor de que isso ocorra até os levou a redigir um documento, assinado entre outros por Elon Musk, propondo a suspensão das pesquisas em IA. Se o genioso e implacável empresário chegou a fazer isso, o assunto é mesmo sério.

Para ser honesto, devo dizer que não me impressionei muito com a criação da OpenAI. O motivo é que, para testá-la, perguntei-lhe quantos brasileiros haviam recebido o Prêmio Nobel; do ChaGPT obtive a resposta de que foram nove. Consultando depois o velho e confiável Google, soube que nenhum brasileiro ganhou o Nobel até agora. Houve quem estivesse entre os indicados, porém oficialmente ninguém abiscoitou a cobiçada láurea internacional.

Mas voltemos ao meu robô particular. A primeira experiência com ele não foi boa; sem que eu pedisse, me acordou às quatro da manhã cantando “Frère Jacques”. 

E não apenas isso. Semelhantemente ao seu colega da OpenAI, ele nem sempre responde com exatidão às minhas perguntas. Perguntei-lhe, por exemplo, qual o sentido da vida. Ele ficou, digamos, na metalinguagem. Respondeu-me que “sentido” é significado, conceito, e que “vida” é o estado em que se encontram os seres vivos enquanto não morrem. Isso não me esclareceu muita coisa.

Outra vez eu lhe disse que pensava em escrever um conto sobre uma malograda experiência amorosa da juventude, mas me faltava inspiração. Ele me aconselhou a procurar um lugar arejado e dilatar bem as narinas. Segui o conselho, supondo que a inspiração poderia vir de algum espírito do ar, e acabei contraindo uma virose. Mas terminei me conformando; talvez isso fosse uma indicação de que o conto não ia mesmo prestar. 

Estou ainda testando o ChatPQP, mas a julgar pelo que tenho vivido com ele vou acabar desistindo de tê-lo como guia. Não há como aceitar um robô que nos deixa desantenados da realidade.

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Publicado por Chico Viana

Chico Viana (Francisco José Gomes Correia) é professor aposentado da UFPB e doutor em Teoria da Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em sua tese, publicada com o título de O evangelho da podridão; culpa e melancolia em Augusto dos Anjos, aborda a obra do paraibano com o apoio da psicanálise. Orientou cerca de 37 trabalhos acadêmicos, entre iniciação científica, mestrado e doutorado, e foi por dez anos pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq). Desde muito jovem começou a escrever nos jornais de João Pessoa, havendo mantido coluna semanal em A União e O Norte. Publicou cinco livros de crônicas.

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