Notas sobre a pandemia (20)

As ocasiões extremas têm o mérito de revelar as fragilidades de uma organização social (seja ela uma nação, uma cidade, uma família). A “normalidade” costuma escamotear as falhas e permitir que o sistema continue, a duras penas, funcionando. Esse pensamento tem me ocorrido a propósito da epidemia que atualmente assola o mundo, revelando as lacunasContinuar lendo “Notas sobre a pandemia (20)”

Mortos da pandemia

Aos mortos da pandemia não há quem vele os caixões. Se ajuntam na mesma vala promíscua, sem orações. Devem ser vistos de longe, ermos de amigos, parentes, e sem rosto em que se note da morte o aspecto indigente. Quiçá da tumba comum, nesse repouso gregário, possam eles ter na cova, não um lúgubre ossuário,Continuar lendo “Mortos da pandemia”

Notas sobre a pandemia (19)

Conviver entre quatro paredes é duro, e se torna pior quando descuidamos da imagem – deixando, por exemplo, crescerem os cabelos. Nesse caso o equilíbrio familiar fica literalmente por um fio (ou melhor, por fios demais). O fechamento de barbearias e salões de beleza afeta as relações porque constitui um golpe no narcisismo. Diminui aContinuar lendo “Notas sobre a pandemia (19)”

Sobre gramática e escrita

(Texto escrito a partir de um breve questionário enviado ao “Grupo do Bigode” pelo professor e gramático Fernando Pestana.)           A gramática ajuda a escrever certo, mas não a escrever bem. Ela propicia a correção, mas não o engenho e a expressividade. Há exemplos de bons escritores que não dominam as regras gramaticais. A capacidadeContinuar lendo “Sobre gramática e escrita”

Notas sobre a pandemia (18)

O ministro que criticou a “veiculação maciça” de fatos negativos sobre o coronavírus não deixa de ter razão. Nossa imprensa não tem olhos para as coisas belas que acontecem em volta. Não vê, por exemplo, que o ar limpo devido à escassez de carros nas ruas vem tornado os dias mais claros. Os pássaros cantamContinuar lendo “Notas sobre a pandemia (18)”

Rumo ao “hepta”

            Hoje faço 69 (sem duplo sentido, por favor!). Não posso dizer que tenho a sensação do dever cumprido, pois, aja como agir, sempre me sentirei em débito comigo e com os outros (meu analista não conseguiu resolver isso). O delicado nessa idade é a gente saber que está se despedindo da faixa do “sexa”Continuar lendo “Rumo ao “hepta””

Notas sobre a pandemia (16)

Os “sonhos pandêmicos” traduzem a maneira como o nosso inconsciente processa os resíduos diurnos recheados de notícias sobre morte, isolamento social, internações em hospitais lotados. Tive um deles ontem. Sonhei que estava num quarto cheio de camas (pareciam beliches) sobre as quais estavam deitados tigres. Minha vontade era correr dali, pois sabia que os felinosContinuar lendo “Notas sobre a pandemia (16)”

Cada ave no seu canto

No terraço de uma casa de classe média, vivem um passarinho e um papagaio. Ao saber que haveria um festival de músicas compostas só por aves, o papagaio se dirige ao passarinho (um canário) e lhe propõe:          – Que tal a gente participar com uma canção? Você faz a melodia, e eu a letra Continuar lendo “Cada ave no seu canto”

Notas sobre a pandemia (15)

A rotina da quarentena exige um maior envolvimento nas atividades culinárias por parte dos que, como eu, exercem-nas mediocremente. Estou longe de ser aquele tipo de sujeito que não sabe fritar um ovo, porém confesso que às vezes deixo queimar a omelete. Minha mulher tem trabalhado mais, concordo, no entanto já tentei lhe mostrar queContinuar lendo “Notas sobre a pandemia (15)”

Notas sobre a pandemia (14)

Hoje boa parte das pessoas trava suas guerras particulares para se manter em casa. Não há dúvida de que “o recesso do lar” é onde se está mais seguro. Mas a rotina doméstica, se mantida de forma imperativa e sistemática como agora, tem seu quê de enervante e potencialmente destrutivo. É um exercício de paciênciaContinuar lendo “Notas sobre a pandemia (14)”