Pintar o cabelo

Não tenho nada contra quem pinta o cabelo. É louvável o esforço de querer parecer mais jovem, driblar os anos. O problema é que às vezes se carrega na tinta. O resultado é não apenas feio como também revelador.

O ideal seria esconder o artifício, negar que o tingimento é fingimento. Como não se faz isso, o efeito chega às vezes a ser grotesco.  

Sobre o riso

           O riso denota uma alegre resignação diante do desespero. Ele pode existir mesmo no limite, quando não há mais saída. Ao pular de um prédio, o palhaço sonha fazer uma acrobacia para divertir quem porventura acompanhe sua queda. E o humorista deixa um bilhete para os familiares:

         — Vou dar um pulinho lá fora e não volto.

Nostalgia e melancolia

Nostalgia e melancolia não são a mesma coisa. Distinguem-se em pelo menos três pontos:

1 – A nostalgia é a saudade do que se teve. A melancolia é a saudade do que não se teve.

2 – A nostalgia é histórica, não existe sem uma prévia convivência com o objeto perdido. A melancolia é mítica; o objeto perdido, nesse caso, é sobretudo um ideal.

3 – A nostalgia pressupõe uma perda. A melancolia pressupõe uma falta.

Exemplo de nostalgia: Gonçalves Dias na “Canção do Exílio”. O poeta está em Portugal e tem saudades do Brasil, onde viveu.

Exemplo de melancolia: Augusto dos Anjos em poemas como “As cismas do Destino” ou “A ilha de Cipango”, nos quais fantasia o mítico retorno à “Pátria da homogeneidade” (que é um espaço ideal, onde obviamente ele nunca esteve).

A força da imagem

A imagem é o ingrediente fundamental da poesia, que se define como um discurso por imagens. Mas ela também aparece na prosa e mesmo no discurso cotidiano, informal. Um dos seus papéis, nesse caso, é concretizar noções abstratas.

Quando explico isso em classe, costumo dar como exemplo um instrutor de autoescola que quer mostrar ao aluno a melhor maneira de segurar a direção. Ele pode dizer mais ou menos o seguinte: “Considere que a direção é uma esfera cortada por duas linhas, uma longitudinal e outra transversal. Suas mãos devem se apoiar na parte superior dessa esfera e se afastar cerca de 10 graus do eixo longitudinal…”.

O aluno, claro, não ia entender coisa nenhuma e talvez procurasse outra autoescola.

Suponha agora que, em vez daquela explicação abstrata, o instrutor disesse: “Dirija em dez e dez”. Pronto. Fez-se a luz. A analogia com os ponteiros do relógio marcando dez e dez dá ao aluno a imagem nítida, concreta, de como ele deve posicionar as mãos no volante.

         Só de teimoso ele vai, por exemplo, dirigir em “seis e meia”… Mas aí a culpa já não será do instrutor.

O “psicológico”

Outro dia na televisão ouvi alguém dizer que é preciso entender “o psicológico” dos jovens. Alto lá! “Psicológico” é adjetivo, e não substantivo. Aparece bem em locuções como “nível psicológico” “distúrbio psicológico” etc. O que é preciso é entender “a psique”, “a mente”, “o psiquismo”, “a psicologia” dos jovens.

         Lembrei-me agora de um aluno que, numa redação, referiu-se ao “psico” dos adolescentes! Esse também não dá. “Psico” é forma presa, só aparece em compostos (psicoativo, psicolinguística etc.).

Hipálage

Quando eu era pequeno, ouvi falar de um “paletó para homem lascado atrás”. As pessoas diziam isso e riam. Eu, claro, não conseguia entender. Sempre me lembro dessa frase quando penso na hipálage, figura sintática que representa um “deslocamento de atribuição”.

A hipálage pode ser um recurso literário, como nesta passagem: “Fiquei olhando o voo branco das garças”, em vez de “O voo das garças brancas”. O deslocamento do adjetivo “branco” (de “garças” para “voo”) enriquece visualmente a imagem.

Voltando à minha lembrança. O normal é: “paletó lascado atrás para homem”. O problema é que, nessa ordem, desfaz-se a malícia — e com ela, a graça.

Poesia e loucura

Fiz até o quarto ano de Medicina. Quando pagava Psiquiatria, o professor levou a turma para ouvir o depoimento de um paciente que saía de uma crise psicótica.

O paciente não estava totalmente curado, mas tinha alguma consciência do que passara. Contou uma série de detalhes que eu já esqueci.  Mas me lembro do que disse para explicar como se livrara de um delírio: “Torei a escuridão”.

 “Torar a escuridão”. Isso é uma imagem (uma representação figurada), mas ele lhe atribuía um sentido literal. Explica-se: o psicótico não sonha nem metaforiza (é a chamada delusão). Para ele, “torar a escuridão” é mesmo quebrar alguma coisa escura…

 Isso me fez pensar que a loucura é uma poesia doente, assim como a poesia é uma loucura sã.

Falar de signos é falar dos sinais que estruturam o pensamento e servem de veículo às ideias. Falar de sonhos é apresentar os signos que traduzem os nossos desejos.

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